Crise hídrica já assola 265 municípios em Minas Gerais
Luciano Vidal
Foto: SAAE/Divulgação
Lucas Bastos, natural de João Monlevade, está há três anos em Viçosa, cidade localizada na Zona da Mata Mineira. Ele cursa zootecnia, na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e, em setembro de 2015, completou 18 anos, o que seria comemorado na festa mais famosa da cidade, o “Nicoloco”, que por ano reúne cerca de 10 mil festeiros. Mas, a diversão foi cancelada em cima da hora por falta d’água, o que ocasionou um grande prejuízo financeiro não só para a empresa organizadora do evento, como para a cidade de forma geral.
A escassez de recursos hídricos assolou o estado naquele ano. Em 2015, foram contabilizados 75 municípios com falta de água, segundo a Agência Reguladora dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário de Minas Gerais (Arsae/MG). A situação estava tão caótica que na cidade do Lucas, não só festas, mas também serviços foram cancelados, como o funcionamento dos lava-jatos.
De todos os 853 municípios do Estado, 622 têm serviços de saneamento regulados pela Arsae, mas apenas quatro têm convênio direto com a agência. Os outros 618 têm a Copasa ou a Copanor (subsidiária da estatal para o Norte de Minas) como prestadoras dos serviços, dados informados pela própria agência.
A Fundação SOS Mata Atlântica monitora, desde 2016, mananciais em 17 estados, incluindo em Minas a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, responsável por quase 50% do abastecimento da Grande BH, 78% da água consumida na capital e a segunda maior tributária do Rio São Francisco – atrás apenas do Rio Paracatu. A ONG monitora oito trechos da Bacia das Velhas, e em nenhuma dessas amostragens os cursos apresentaram qualidade considerada boa ou ótima, a maioria no limite de tolerância com conceito regular.
Além disso, a área total destinada à agricultura irrigada em Minas Gerais deverá avançar 84,15% até 2030, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). O estado ficaria chegaria à segunda posição no ranking nacional de expansão das terras com uso artificial de água nas lavouras. Em 2015, cerca de 1,1 milhão de hectares sofriam com irrigação, já a expectativa para 2030 é de quase 2 milhões de hectares. A estimativa preocupa especialmente em razão das condições em que se encontra o Rio São Francisco que atingiu o pior nível de degradação já registrada em seus 517 anos de história na forma de assoreamento, poluição, remoção da vegetação nativa e falta de chuvas.
A crise hídrica em Minas é causada por diversos fatores. O aquecimento global, as mudanças climáticas que assolam não só o Estado, mas como o mundo em geral são preocupações para os ambientalistas, além da falta de chuvas periódicas. O principal fator é o uso desenfreado das indústrias e dos setores de agricultura, que consomem 79% da água em todo território nacional. Todavia, a população também usa inconscientemente o recurso. Todos os dias, pessoas como Lucas desperdiçam água. Ele lava sua calçada de dois em dois dias, o seu carro duas vezes por semana, a sua casa toda semana, toma banho de 12 minutos de duração. Ele sabe que está gastando demasiadamente, porém, não consegue mudar esse hábito, que está enraizado na sua rotina. Atitudes como essas vêm propiciando a escassez do recurso natural em grandes partes do Estado.
Em matéria publicada pelo Estado de Minas no início de 2018, foram totalizados 265 municípios sofrendo com a falta da água. A falta de água se dá pelo fato de que milhares de nascentes, rios e córregos estão secos, provocando reduções no volume dos maiores cursos fluviais. O São Francisco, o maior rio a correr exclusivamente em território nacional, pela primeira vez na história passa por processo de contenção do uso da água. A represa de Três Marias, a maior do leito em território mineiro, registra 6,4% de seu volume útil total. O reflexo aparece em recorde histórico de decretos de emergência diante da escassez de água. A situação da bacia do Rio São Francisco no Estado é alarmante, apenas cerca de 6,9% do seu volume está cheio de água, o que gera a crise hídrica em diversas cidades mineiras.
A diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAN) é responsável pela força-tarefa criada no Estado para prestar atenção na situação hídrica na região. Em entrevista concedida ao Estado de Minas, falou sobre os fatores naturais e o uso inconsciente da água: “A diminuição das chuvas dos últimos seis anos, aliado ao aumento do consumo de água, reduziu a quantidade de água em rios e reservatórios. Dessa forma, os volumes ficaram insuficientes para atendimento à população”, diz Marília Carvalho.
A situação em 2018 é crítica para Lucas. Não chove com intensidade em Viçosa desde janeiro, os poços estão secando, os rios não passam de 1/3 da capacidade de armazenamento. Porém, o que mais preocupa são as atitudes inconscientes ao utilizar a água por parte das indústrias e dos setores de agricultura, aliados ao uso desequilibrado da população. Todavia, Lucas não deixa de ter a mesma rotina de lavar cotidianamente sua calçada, seu carro e tomar banhos demorados. Talvez sinta falta da água novamente quando ele for e convidar os amigos para outra festa e essa seja cancelada, já que o ser humano só sente falta de algo depois que perde.