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Mariana sem saída

Vidas e meio ambiente: tudo foi levado, mas a cidade não tem outro horizonte, senão a mineração

 

Ana Laura Corrêa

Jade Fagundes

 

Poliane Aparecida de Freitas, de 31 anos, estava em uma pousada na cidade de Mariana quando viu um trabalhador da Samarco com os olhos cheios d’água. “Ele estava atendendo às pessoas e eu perguntei se ele queria um abraço”, relatou. A fala de Poliane revela uma face pouco contada da tragédia que atingiu, não só o município de Mariana, em Minas Gerais, em 05 de novembro de 2015, mas também várias cidades ao longo do Rio Doce.
 

Na data, o distrito de Bento Rodrigues, a 12 quilômetros de Mariana, foi destruído pelos rejeitos de mineração que vazaram da barragem Fundão, da Samarco. Dos 55 milhões de metros cúbicos que eram mantidos, mais de 32 milhões extrapolaram os limites e 19 pessoas morreram.
 

Além disso, cerca de 350 casas foram atingidas e 600 pessoas ficaram desabrigadas. Os estragos também chegaram a outras cidades mineiras, que tiveram a água contaminada e o abastecimento prejudicado. O descaso com questões ambientais sempre existiu, porém, por muito tempo, foi mascarado por grandes empresas. Com o rompimento da barragem de Fundão, a situação começou a mudar.
 

A notícia se espalhou rapidamente e o Brasil inteiro ficou sensibilizado com a história de mais de 300 famílias. Diante da tragédia, houve quem – de longe ou sem conhecer a realidade de Mariana – pedisse o fechamento das mineradoras. Mas também houve quem estava ali, ao lado de onde tudo aconteceu, e olhasse para os trabalhadores da Samarco. Foi o caso de Poliane, moradora de Mariana, relatado no início do texto.
 

Seus pais e avós sobreviveram à tragédia em Bento Rodrigues. Eles foram resgatados na manhã do dia seguinte, em 6 de novembro. “Viemos para Mariana, passamos no médico e fomos para nossa casa com eles. Logo em seguida, a Samarco chamou todos os atingidos, pedindo que fossem para um hotel. Assim, ficaria mais fácil para eles darem assistência, do que se as pessoas ficassem espalhadas. Quando meus avós e meus pais foram para uma pousada, eu pedi que fosse uma mais discreta, porque meus avós já eram de idade. Logo em seguida, a Samarco atendeu ao pedido”, contou Poliane.
 

Esquecidos em meio à tragédia
 

 Ela disse, ainda, que visitava os familiares todos os dias, e via os trabalhadores da Samarco, ainda sem saber seus destinos, dando apoio às vítimas. Foi lá que ela viu o funcionário chorando e ofereceu um abraço. “Porque eu sabia o que os trabalhadores estavam sentindo, e as coisas que estavam acontecendo na família deles. Muitos aqui foram agredidos, perto dos filhos, com palavras, chamados de assassinos. E eu não vejo isso como uma coisa boa. Acho que a gente tem que amar ao próximo, independente de tudo. Eles são humanos também e não têm nada a ver com a tragédia na questão humana. Quem sou eu para julgar uma pessoa? A justiça vai ver se tem culpado ou não nesse episódio”, relatou.
 

“Justiça, sim, desemprego, não”
 

Na época, Poliane criou um grupo com amigos no aplicativo WhatsApp em defesa da permanência da Samarco. O número de apoiadores cresceu e, como havia um limite de 100 membros por grupo, outros quatro foram criados. “Decidimos fazer uma passeata mostrando que a Samarco era importante para a cidade, que ela tinha cumprido seu papel durante todos esses anos com a comunidade e que a gente a defendia. Mas, também, queríamos saber as causas do acidente e que a empresa desse suporte. Todos nós somos atingidos, diretos ou indiretos. Marcamos uma passeata para 15 de novembro de 2015, e conseguimos colocar nas ruas duas mil e poucas pessoas. Disso veio o movimento ‘Justiça, sim, desemprego, não’”, contou Poliane.
 

Ela diz ainda que perguntou ao pai se não estava sendo egoísta ao defender os trabalhadores. “Eu não estava defendendo o

CNPJ, mas as pessoas que dependiam daqueles empregos, que fizeram carreira ali dentro. Havia famílias que dependiam

daquilo. Meu pai falou que eu não estava sendo egoísta e que apoiava isso. Eu era comerciante na época, também pensava em

mim, no meu comércio, nos comércios da cidade e na minha filha, que na época tinha pouco mais de um ano”, explicou.
 

Não há futuro
 

A Samarco tem previsão de retorno às atividades em 2020, quando conseguir todas as licenças ambientais necessárias.

“Desde o rompimento da barragem, as operações do Complexo Minerário de Germano, dos minerodutos e do Complexo Indus-

trial de Ubu estão paralisadas, e as atividades se restringem à conservação dos ativos e obras para melhorar a segurança

operacional, reparar, recuperar e controlar os impactos causados pelo rompimento”, informa a empresa em seu site .
 

Atualmente, o desemprego em Mariana chega a 21%. De acordo com a prefeitura da cidade, 90% da arrecadação municipal

advém de tributos ligados à mineração. Logo, a receita sofreu um drástico declínio. A saúde mental dos atingidos pela tragédia

também foi prejudicada.

 

Uma pesquisa do Núcleo de Pesquisa e Vulnerabilidade em Saúde da UFMG e a Cáritas Regional Minas Gerais ouviu 210 pes-

soas afetadas pelo rompimento da barragem e constatou uma prevalência aumentada de transtornos psiquiátricos relaciona-

dos ao estresse. Além disso, disso, a prevalência de depressão, de 28,9%, é cinco vezes maior do que a descrita pela Organi-

zação Mundial de Saúde (OMS) para a população brasileira avaliada em 2015.
 

Voz dos atingidos
 

Os atingidos criaram um jornal, o “A Sirene”, utilizado na luta pelo direito de voz. Procurados pela reportagem, eles informa-

ram que esperam a conclusão das obras nos destinos escolhidos para serem reassentados. “O rompimento de Fundão acon-

teceu e causou o maior crime socioambiental do Brasil, devido a uma irresponsabilidade. A partir daí, temos um norte muito

claro, que nada mais é do que exigir responsabilidade das empresas causadoras do crime, de reparar o que aconteceu e

devolver a vida de milhares de pessoas que foram atingidas, desde Mariana até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo. As

mineradoras são economicamente importantes para Mariana e região, mas é preciso que elas passem a ser mais

responsáveis com o funcionamento, responsabilidades que se estendem também ao governo”, disseram à reportagem.
 

A lama levou vidas e o meio ambiente. Mas, dessa mineração predatória também vêm os empregos. É uma balança com dois lados muito pesados e que envolvem diversos fatores. Mas, mesmo com toda a tragédia, Mariana parece não ter escolha, a não ser continuar à mercê das grandes empresas que exploram seu povo – que precisa, pelo menos, sobreviver – e sua natureza. O capitalismo é uma rua de Bento Rodrigues, suja de lama, e, aparentemente, sem saída.

A tragédia em números.png
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